31 dezembro 2008


Um ano novo

Na virada de ano, é lindo ver todos se vestirem de branco, grande parte esvaziando as cidades em direção às praias, muitas confraternizações, shows com fogos de artifício. Entretanto, muitas dessas pessoas estão com o coração em luto, revestido pela mágoa, desejo de vingança, desconfiança, raiva. São filhos que odeiam a companhia dos pais. Pais que ofendem os filhos. Amigos que perderam a confiança no outro por qualquer futilidade. Há maridos e mulheres para quem o amor virou cumplicidade. Desse modo, qual o propósito do júbilo?

A festa de ingresso em 2009 para essas pessoas é um roteiro, os personagens trajados de branco são fictícios. Não se pode revestir um ano de novo cultivando amargura, insegurança e cólera. Não há como torná-lo claro, se corre ferrugem nas veias da alma.

Muitos acreditam que a partir de janeiro, tudo muda. Nova fase, novos rumos. “Nesse ano que vem, vamos estudar mais, vamos fazer mais amigos, vamos viajar, vamos para faculdade, vamos para um emprego melhor, vamos fazer amor, vamos, vamos, vamos...” E a maioria não vai a lugar nenhum, porque estão amarrados às enfermidades da hipocrisia. Não adianta almejarmos o mar se estivermos presos ao cais.

Há duas maneiras de preparar um ano novo. A primeira é a que se convencionou nestes tempos. Você senta diante do computador, escolhe uma mensagem qualquer, dá um clique e todos os seus amigos, conhecidos, inimigos, quem tiver na rede recebe seus votos de um próspero ano. Depois, você se prepara para a grande noite, compra roupa, bebida, cigarro, camisinha, telefona para uma galera irada e vai zoar.

A segunda não é tão underground assim, é uma escolha de poucos, você vai à casa do seu amigo de anos e pede perdão por estar distante, diz pros seus pais que vai tentar ser um filho melhor. Tenta perdoar, arrumar o quarto, fazer uma prece. Você não precisa comprar cartões, nem se vestir todo de branco, o mais importante é distribuir abraços, ajudar a arrumar a mesa e sorrir às pessoas que realmente se importam com você. Ficar porre, pular ondinhas, soltar pistola não são obrigações. Nosso comprometimento tem que ser fortalecer os laços, ser prestativo, companheiro, humano.

O amor para alguns se tornou uma expressão vergonhosa. Há medo em torno do “eu te amo”. Você já se perguntou o quanto é importante dizer o amor a quem você ama, não precisa gritar, Ora! Fale baixinho, amor não pode ser arquivado pelo silêncio. O tempo passa, deixar palavras essenciais para depois pode ser tarde. Você já parou para pensar como as coisas, há alguns anos, eram bem diferentes em sua vida? Provavelmente muitas pessoas sumiram, os lugares que você freqüentava eram outros, os seus desejos também. Não foi só isso que mudou, falta tempo para estar em casa, os pais chateiam com os sermões, amigos viraram companhias de festa.

O certo é que, todo tempo, estamos encerrando fases. Só que para um ano ser novo, não é necessário um ritual, fazer uma lista de intenções, é preciso fazê-lo novo, vivê-lo novo, o que me diz de um checape? Diagnosticar o que pode torná-lo mais afetuoso e por em prática uma restauração de si próprio é uma boa dica. A cada novo ano, estamos mais velhos, mais seguros de nós mesmos, mais certos do que queremos, porém as horas levam muito de nós.

“Este ano quero paz em meu coração, quem quiser ter um amigo que me dê a mão”. Um ano de prosperidade e paz não se edifica com projetos mirabolantes de sucesso, do tipo vamos fazer... vamos comprar... vamos construir... vamos... É feito de desejos regados, paixões adubadas, perdões ofertados.

Que tal, nesse ano vindouro, engolir a experiência dos mais velhos? Parar de enxergar só os defeitos? Podemos conjugar, no dia-a-dia, verbos como agradecer, consolar, confiar, animar, ajudar, entender, esperar, repensar, SENTIR. Acreditar que 2009 será um ano só de triunfos é inocência, precisaremos também de forças para enfrentar as adversidades, pagar as contas, suportar as perdas, encarar as decepções. Vamos aprender, neste ano novo, que para pintá-lo de novo é preciso entender aquilo que só o tempo sabe ser: maestro dos sonhos, assassino dos instantes de prazer, artesão das lembranças e mestre da vida.
* (Geovane Belo)

24 dezembro 2008


NATAL
“Estou pensando em Deus, estou pensando no amor”

O espírito natalino nos deixa meio sentimentais, é verdade, dá vontade de chorar por tudo. É uma época que reaproxima a gente da gente mesmo, isso nos torna mais humanos. Mas antes, o natal era muito mais belo do que hoje em dia, a palavra que definia natal era amor. Não havia outra. Amor em todos os sentidos. Amor para além da vida, amor capaz de transformar tudo e todos. Era um tempo em que todos os sentimentos floresciam novamente, os namorados eram mais felizes, sorríamos mais naturalmente, perdoávamos muito mais. Saíamos às ruas despreocupadamente para apertar a mão de qualquer pessoa.

Hoje, não há mais tempo para uma palavra de amor, hoje se manda apenas um presente com um cartão eletrônico que diz, no nosso lugar, “Feliz Natal”. Nós vivemos presos demais às obrigações cotidianas, às coisas supérfluas. Os pais têm o trabalho, os filhos, a escola e as baladas. Quando um estranho nos sorrir nos parece fora do comum. Os pobres deixaram de ser humildes para se tornarem uma ameaça aos ricos. Os mais necessitados atrapalham, os ricos temem aperta-lhes a mão, há um olhar de repudio onde deveria existir amor ao próximo. Os amigos não são mais escolhidos pelo diálogo, pela afinidade, mas pela classe social.

A verdade é que não parece haver mais uma palavra que defina o natal. Quem sabe o “consumo” seja a palavra da moda. O gesto de trocar presentes agora é uma obrigação sem amor, dar-se aquilo que se quer ganhar. Não há mais o mistério que tanto iluminava o Natal. O famoso papai Noel não é mais o velhinho que põe os presentes em baixo da cama, ao lado da árvore de natal. Agora, ele está nas lojas, nos outdoors. É só ir ao shopping, você pede e ele aponta a vitrine, assim o natal está completo. Talvez no lugar de perguntar às crianças: “o que você deseja ganhar nesse natal?”, ele diga: “Seu pai tem cartão de crédito? Então leve o que quiser, pirralho”.

É por tudo isso que pra mim o Natal não é mais o mesmo. O maior símbolo do natal parece estar meio esquecido no meio disso tudo. O menino Jesus na manjedoura, em meio às ovelhas e às vacas, parece que não nos comove como antes. Hoje quando vamos às igrejas na noite de natal, preocupamo-nos muito mais em apresentar nossas novas roupas e sapatos e bolsas. Lembro como me encantava ir à igrejinha próxima e ouvir:


“Tudo seria bem melhor, se o natal não fosse um dia, se as mães fossem Maria e se os Pais fossem José e se a gente parecesse com Jesus de Nazaré. Estou pensando em Deus, estou pensando no amor”.

Tínhamos essa certeza, e acho que ainda a temos, guardada em algum lugar dentro de nós. Pensar em Jesus é pensar no amor, pensar em natal tem de ser pensar nesse amor. Talvez esta seja a maior razão das pessoas não praticarem o amor como antes, porque, no natal, Jesus ficou pra segundo plano. As pessoas não se dão mais às mãos durante a ceia para rezar. Não conversam mais.Então, eu decidi que o mais importante hoje seria falar sobre esse menino, o meu menino Jesus.

Acredite, eu posso ouvir a voz do meu menino Jesus, ver sua face, tocar sua pele. Conheço a cor dos seus olhos e o brilho do seu sorriso. Meu menino Jesus é como o do Pessoa é um Deus que é humano, o imenso que é pequeno, o invisível que pode ser visto e tocado e sentido. Tudo porque eu reconheço o meu menino Jesus em todas as pessoas que amo, ou deveria amar, ele está presente em mim, dorme dentro da minha alma. O meu menino Jesus não é um símbolo de natal, ele é vivo e nasce hoje em mim como todos os dias. E é por isso que eu tenho certeza que esse é o menino Jesus verdadeiro.Pra mim, pensar no natal é pensar nele, é pensar em Deus, no amor. E aí, eu canto:

“Estou pensando em Deus, estou pensando no amor”.

Quem sou eu

Sou o que ninguém sabe e o que todo mundo conhece ou cobiça saber. Não me compreendem porque não me entendem. Não me entendem porque não me compreendem. É fácil. Se há certeza, é a duvida de tudo. Se há dúvida, é a certeza apavorante de não saber nada disso, nem daquilo, nem de coisa alguma. Não sou paradoxo, nada de versos sobre minha exatidão, sou imprecisão exata, abstração concreta, sou eu, só eu tão mim-mesmo. Se me queriam outro, por que procuram-me? Procurem outro, ou escavem esse outro em mim, tenho milhares de mins num eu. Ora, sou matéria palpável e dita de um absurdo impalpável e indizível. Só me entende quem não me quer entender. Não sou resposta, já disse, nem tenho respostas, sou a pergunta aberta e fria que nunca cansa de ser dúvida, que não cessa da convicção de não saber quem sou.
"A vida inteira estive em tudo como um deus, eu era todas as coisas de uma só vez, era a prece e a sentença, a entrega e a perdição, as juras e todo o pecado. A vida inteira cabia em mim porque eu era a vida inteira dentro de mim, até perceber que eu faltava a mim... perdi tudo sem nunca ter tido coisa nenhuma".