08 novembro 2008

Vida...
"Pensar é estar doente dos olhos"

Vocês já pararam pra pensar na razão da vida? Quantas vezes você se pegou pensando nos seus amores que ficaram no passado, ou naqueles platônicos que nem se souberam amados por você? Esses dias eu também me peguei buscando juízo para essa doidice que é a vida. Felizmente, a tempo, achei meio sem lógica tentar encontrar porquês para meus dias, que nada são além de dias, por isso devem ser vividos como tal e não como uma faculdade de autoconhecimento.

Entendi que, na verdade, esse é o nosso maior pecado, teorizamos demais os sentimentos, fazemos terapia, tentamos entender cientificamente determinadas atitudes do nosso ser, como se tudo estivesse nos livros. Adoramos expor nossos problemas para os amigos e torná-los maiores do que são, como se os outros pudessem compreender aquilo que faz parte da nossa alma. Quanta ingenuidade! Cada ser humano só pode conhecer os limites da sua própria alma - e ainda em parte- tentar entender o universo do outro é invadir um mundo que não é seu.

Quando se pensa demais numa justificativa para um abraço, para um aperto de mão, para um beijo, perde-se metade da química que naturalmente leva os corpos a se abraçarem e se beijarem. Acredito agora que nossa solidão diária, por exemplo, resulta muito mais das expectativas criadas pela nossa mente, das hipóteses que nós erguemos em relação a alguém, e por pensarmos demais num ideal de amor, num ideal de amigo, num ideal de pais, de trabalho, de transa, num ideal de sei-lá-o-quê, nada torna-se ideal ao nosso espírito neurótico e secuelado.

Li em Shakespeare, Gandhi, Vitor Hugo, Chaplin, etc. em tantos outros, muitos bons conselhos para se viver plenamente, mas aprendi que não há direcionamento que nos faça mudar o foco da nossa própria vida, porque nós somos os únicos que temos poder sobre as nossas atitudes, sobre nossas aspirações, e ninguém pode interferir com palavras nas nossas experiências tão impossíveis de serem descritas. Essa coisa de aproveitar cada dia como se fosse o último, de CARPE DIEM, soa muito bem, é bonitinho mesmo, mas só funciona mesmo na literatura, na arte. Não há filosofia que explique as manifestações extraordinárias que diariamente dormem e despertam conosco. Quando raciocinamos demais na procura do ser perfeito, nos afastamos da nossa própria imagem no espelho da vida.

Desse modo, fujamos dos aconselhamentos dos outros, não deixemos que metam o nariz na nossa existência, pensar exageradamente pode estragar a seiva que gera os sentimentos mais belos. Aquilo que nos torna seres humanos é capacidade que temos de sentir, seja qual forem nossas sensações.
A filosofia existe como saída para a vida das palavras, para o homem se sentir seguro na tentativa de explicar o inexplicável. O que nós precisamos diariamente não é de filosofia, é de poesia, daquela gerada no compartilhamento dos desejos, na realização dos sonhos, no olhar que avista o céu e contempla o azul sem buscar na ciência motivo para o azul.

Não estou tentando racionalizar a vida, palavras são a prova de que a poesia não precisa de idéias, a poesia pulsa principalmente fora das palavras, longe dos dicionários. A própria vida vive sem palavras, as palavras é que anseiam por vida, é a essência do sentir, de todas as sensações do mundo. Cada um de nós é um universo inexplorável, a mente é o único habitante desse território. Todavia, poderia esse animal de grau elevado na escala evolutiva, chamado homem, dar à mente a capacidade de compreender o enigma de todas as galáxias do seu coração? Poderia a razão compreender o mistério das coisas mais simples? Nós é que complicamos tudo quando cismamos de explicar, julgar, supor, avaliar, cientificar a vida.

O Pessoa estava certo "O mundo não se fez para pensarmos nele, mas para olharmos para ele e estarmos de acordo".

01 novembro 2008

Finados ou finadas flores

A verdade é que, nesse mundo, há dia pra tudo. Dia do beijo, dia da mulher, dia de São Fulano, do trabalho, dia dos namorados, do poeta, da sogra, dia disso, dia daquilo. Mas não há homenagem, data mais respeitável do que a de Finados. Feriado decretadíssimo por lei. No dia dos mortos acendem-se velas, todo mundo reza, ora, canta, recorda, chora, mente. Qualquer um vira puxa saco de quem morreu. Se você quer se tornar um homem bom, mate-se! Será quase um santo! Se for um bom escritor, será eternizado (depois de morto, é claro!).

Diariamente os cemitérios tão abandonadinhos, as covas tão desoladas, sem o choramingar dos parentes, nessa data viram uma espécie de shopping Center da saudade. As pessoas se encontram pelos corredores entre sepulcros, lágrimas e recordações. O comércio reúne-se dentro e fora, vendem-se velas, fósforo, fúcsias e, principalmente, flores (coitadinhas delas), florzinhas de toda cor e de toda classe. Pode ser até coisa de cronista desvairado, todavia morro de pena das bichinhas. Elas, ali, aos montes para agradar a vaidade vociferante da morte. Ponho-me no lugar delas, eu as personifico e sinto a apreensão de suas pétalas amarrotadas, de seus espinhos cortados, de seu cheiro rejeitado.

Para elas não há pior dia no ano. A vida das flores não é lá muito longa. Não bastasse servirem de símbolo para os namorados, não bastasse a tentativa de lhes roubarem o cheiro para pôr em frascos, o mais difícil mesmo é sobreviver a finados. Margaridas, girassóis, rosas, orquídeas, magnólias tornam-se mártires, sacrificam-se para enfeitar o capricho da morte (coisa difícil de entender, perder a vida para adornar o espetáculo do fim). Na verdade, enfeitar a morte é capricho dos vivos, porque morto não tem vaidade, quem fica aqui costuma achar que pode decorar o fim do outro e quem paga o pato, no final das contas, são as coitadinhas das flores. Com sorte, algumas escapam a um funeral aqui, outro ali. Mas ao dois de novembro difícil sobreviver, é uma chacina prevista.

As flores representam o modo de a vida dizer que a reprodução da espécie é linda. Nós precisamos do sexo para perpetuar nossa raça, as flores asseguram a reprodução das plantas, viram fruto, geram sementes e a vida segue seu curso. Elas se oferecem graciosas aos nossos olhos como moças coloridas passeando pelos jardins, é a natureza embelezando nossa humanidade, Deus abrindo os braços para nos acolher.

Finados existe para não deixarmos perdida a memória dos falecidos, para nos obrigar a lembrar de quem bateu as botinhas há algum tempo. O cotidiano pode carregar lembranças dos mortos, entretanto o passar das horas leva a imagem viva deles, surgem novos amores, novos amigos, novas experiências para recordar. Quem morre não parte de uma vez, parte aos poucos. Morre na mudança de carro, morre no novo apartamento, no novo emprego, na nova namorada. No dia de finados, nós temos a obrigação de rememorar, parar um instantinho. A gente fica meio deprimido restituindo o elo que o destino desfez. Depois, cumprida a rotina anual, voltamos para o mundo das coisas vivas.

A morte é feia, fede e apavora. A vida é clara, radiante, intensa. A morte é escura, horripilante. A vida é estonteante, altiva, perspicaz. A morte dos outros nos apavora, morremos um pouco com cada ente que se vai. A possibilidade da nossa morte nos mata de medo. As flores, as velas, lembram a vida, apenas ornamentam o cenário desastroso da morte, criam a sensação de eternidade, de vida além de aqui. Se as flores pudessem, fugiriam para não serem arrancadas precocemente, antes de cumprirem sua missão de propagar a espécie, antes de doar o néctar aos passarinhos, antes de espalhar seu cheiro no ar.

O homem não entende que as flores não combinam com a morte, elas nos lembram amor sem conhecimento do amor, porque flores são flores. Nós é que nos apegamos demais à vida e não queremos admitir nossas partidas. Nossa missão é propagar o amor através dos nossos filhos, a das flores, através de seus frutos. O que nos difere delas é o conhecimento da existência. Nós amamos a vida; elas, simplesmente, existem. E como lembram o amor são o retrato da vida, não da morte.

Eu, com todo respeito, chamaria finados de dia mundial das flores, não daria ramalhetes a quem partiu, porque esta, mesmo que quisesse, já não poderia mais enamorar-se de mim, arrancaria a flor mais linda por uma causa nobre, daria a uma moça presente, vivinha da silva, que parece gostar de mim.

Quem sou eu

Sou o que ninguém sabe e o que todo mundo conhece ou cobiça saber. Não me compreendem porque não me entendem. Não me entendem porque não me compreendem. É fácil. Se há certeza, é a duvida de tudo. Se há dúvida, é a certeza apavorante de não saber nada disso, nem daquilo, nem de coisa alguma. Não sou paradoxo, nada de versos sobre minha exatidão, sou imprecisão exata, abstração concreta, sou eu, só eu tão mim-mesmo. Se me queriam outro, por que procuram-me? Procurem outro, ou escavem esse outro em mim, tenho milhares de mins num eu. Ora, sou matéria palpável e dita de um absurdo impalpável e indizível. Só me entende quem não me quer entender. Não sou resposta, já disse, nem tenho respostas, sou a pergunta aberta e fria que nunca cansa de ser dúvida, que não cessa da convicção de não saber quem sou.
"A vida inteira estive em tudo como um deus, eu era todas as coisas de uma só vez, era a prece e a sentença, a entrega e a perdição, as juras e todo o pecado. A vida inteira cabia em mim porque eu era a vida inteira dentro de mim, até perceber que eu faltava a mim... perdi tudo sem nunca ter tido coisa nenhuma".