19 agosto 2008


Temporal
mente


Volto ao futuro e sei que recordo o imemorável,
sou expectador de um pretérito inalcançado.

Vejo o presente, este relógio irrefreável,
sou espectador de um futuro do passado.
SENTIDO


Sem ti me senti
divagar

Sem ti senti devagar
a alma se alarmar.

Sem ti senti dor,
sem sentido

a alma não se acalma.

A dor na gente
adorna a gente.

Sem ti, senti
a alma ao mar.

Amor te urge
a -mor te é ur-
- gente ALMAR.

03 agosto 2008

O bicho-de-sete-cabeças do amor

O mais complicado num relacionamento amoroso é ter de suportar a instabilidade do ser amado. Nós sempre estamos amando alguém ou, no mínimo, buscando alguém para amar. Mas, passando essa fase de busca do tesouro afetivo, surge um novo desafio: ter de compreender o universo estranhíssimo da pessoa que amamos.

Não falo aqui de compreender diferenças físicas, financeiras, ou sociais. Falo da dificuldade de entender o invisível no outro, o indizível. Discorro aqui na tentativa de minimizar esta tão implacável interrogação: como conviver com as inconstâncias da pessoa amada?
Por mais que gostemos de alguém e estejamos com essa pessoa há uma boa temporada, sempre vamos nos surpreender com uma atitude que nos desagrada. Pode ser uma olhadela que ele deu para outra na praia, pode ser o modo como ele falou com você, pode ser a maneira como ela trata os amigos que põe você numa senhora crise de ciúmes.

Vocês namoram há tempos, do nada, então, você descobre que ele odeia essa sua mania de ligar toda hora, ele finge que esqueceu a ex-namorada, ele era gamado na sua prima, ele mentiu quando saiu da sua casa e disse que ia dormir. Você pode descobrir que o seu amor não gosta do seu ciúme excessivo, que a sua namorada diz pras amigas que você é um passatempo, entretanto, ao seu lado, chora jurando que o ama.

Nós sempre almejamos que a pessoa amada seja perfeita, sempre carinhosa, nunca brigue, faça tudo do jeitinho como achamos que é certo. É aí que reside o problema, até que ponto os desejos de vocês combinam, até que ponto suas necessidades convergem? É, de fato, muito complexo fazer de uma pessoa o nosso ideal de amor, exige grandessíssimo sacrifício, porque, ao saciar as vontades do outro, talvez esqueçamos as nossas próprias ambições. Muitas vezes o amor suprime algo de belo que carregamos, pois temos de abrir mão do que nos tornaria mais felizes para manter a estabilidade da vida a dois.

Você deve conhecer alguém que se tornou triste quando passou a namorar alguém, não sai mais, não ri como antes, não telefona, vive trancada em casa. Algumas mulheres admitem serem enganadas e postas ao canto, como se o homem tivesse se tornado proprietário majoritário da sua existência.

Ocorre naturalmente uma metamorfose na vida de quem ama, alguns se tornam mais felizes, mais dispostos para o trabalho, mais bem humorados; outros se enclausuram, vivem deprimidos, se privam de novas experiências, pois acham que não podem viver sem o ser amado. Por isso acreditam que devem sofrer o que for preciso em troca de um bem maior: a conservação do relacionamento amoroso.

A verdade é que o amor exige sim entrega, mudança de atitude, comprometimento com a vida do outro, mas isso não significa que devamos viver apenas em função dessa pessoa. A falta de amor-próprio não tem nada a ver com as modificações que temos de fazer pelo bem da relação. Oferecer parte de si, parte do seu tempo, dividir seus anseios, falar dos seus projetos, evitar sair sempre sozinho, é algo imprescindível para a manutenção do seu amor. Mas, se você acha que encontrou a receita certa do “sermos felizes para sempre”, é melhor sair desse conto de fadas e cair na real.

O amor que é ar também sufoca, é a liberdade que aprisiona, a razão que enlouquece. A pessoa amada é um lobo em pele de cordeiro, por mais que você queira, ela não foi feita para se encaixar certinho nas suas cobiças, precisa de ajustes, um pouco de resignação, vai fazê-lo muito feliz, só que uma hora vai ferir, machucar. Você terá que ter paciência e, mesmo sem entender, aprender a perdoar, ou então terá de apaixonar-se por si mesmo como narciso e suportar a dor de viver sempre sozinho.
*Marudá, 31 de julho de 2008.

Quem sou eu

Sou o que ninguém sabe e o que todo mundo conhece ou cobiça saber. Não me compreendem porque não me entendem. Não me entendem porque não me compreendem. É fácil. Se há certeza, é a duvida de tudo. Se há dúvida, é a certeza apavorante de não saber nada disso, nem daquilo, nem de coisa alguma. Não sou paradoxo, nada de versos sobre minha exatidão, sou imprecisão exata, abstração concreta, sou eu, só eu tão mim-mesmo. Se me queriam outro, por que procuram-me? Procurem outro, ou escavem esse outro em mim, tenho milhares de mins num eu. Ora, sou matéria palpável e dita de um absurdo impalpável e indizível. Só me entende quem não me quer entender. Não sou resposta, já disse, nem tenho respostas, sou a pergunta aberta e fria que nunca cansa de ser dúvida, que não cessa da convicção de não saber quem sou.
"A vida inteira estive em tudo como um deus, eu era todas as coisas de uma só vez, era a prece e a sentença, a entrega e a perdição, as juras e todo o pecado. A vida inteira cabia em mim porque eu era a vida inteira dentro de mim, até perceber que eu faltava a mim... perdi tudo sem nunca ter tido coisa nenhuma".