31 dezembro 2008


Um ano novo

Na virada de ano, é lindo ver todos se vestirem de branco, grande parte esvaziando as cidades em direção às praias, muitas confraternizações, shows com fogos de artifício. Entretanto, muitas dessas pessoas estão com o coração em luto, revestido pela mágoa, desejo de vingança, desconfiança, raiva. São filhos que odeiam a companhia dos pais. Pais que ofendem os filhos. Amigos que perderam a confiança no outro por qualquer futilidade. Há maridos e mulheres para quem o amor virou cumplicidade. Desse modo, qual o propósito do júbilo?

A festa de ingresso em 2009 para essas pessoas é um roteiro, os personagens trajados de branco são fictícios. Não se pode revestir um ano de novo cultivando amargura, insegurança e cólera. Não há como torná-lo claro, se corre ferrugem nas veias da alma.

Muitos acreditam que a partir de janeiro, tudo muda. Nova fase, novos rumos. “Nesse ano que vem, vamos estudar mais, vamos fazer mais amigos, vamos viajar, vamos para faculdade, vamos para um emprego melhor, vamos fazer amor, vamos, vamos, vamos...” E a maioria não vai a lugar nenhum, porque estão amarrados às enfermidades da hipocrisia. Não adianta almejarmos o mar se estivermos presos ao cais.

Há duas maneiras de preparar um ano novo. A primeira é a que se convencionou nestes tempos. Você senta diante do computador, escolhe uma mensagem qualquer, dá um clique e todos os seus amigos, conhecidos, inimigos, quem tiver na rede recebe seus votos de um próspero ano. Depois, você se prepara para a grande noite, compra roupa, bebida, cigarro, camisinha, telefona para uma galera irada e vai zoar.

A segunda não é tão underground assim, é uma escolha de poucos, você vai à casa do seu amigo de anos e pede perdão por estar distante, diz pros seus pais que vai tentar ser um filho melhor. Tenta perdoar, arrumar o quarto, fazer uma prece. Você não precisa comprar cartões, nem se vestir todo de branco, o mais importante é distribuir abraços, ajudar a arrumar a mesa e sorrir às pessoas que realmente se importam com você. Ficar porre, pular ondinhas, soltar pistola não são obrigações. Nosso comprometimento tem que ser fortalecer os laços, ser prestativo, companheiro, humano.

O amor para alguns se tornou uma expressão vergonhosa. Há medo em torno do “eu te amo”. Você já se perguntou o quanto é importante dizer o amor a quem você ama, não precisa gritar, Ora! Fale baixinho, amor não pode ser arquivado pelo silêncio. O tempo passa, deixar palavras essenciais para depois pode ser tarde. Você já parou para pensar como as coisas, há alguns anos, eram bem diferentes em sua vida? Provavelmente muitas pessoas sumiram, os lugares que você freqüentava eram outros, os seus desejos também. Não foi só isso que mudou, falta tempo para estar em casa, os pais chateiam com os sermões, amigos viraram companhias de festa.

O certo é que, todo tempo, estamos encerrando fases. Só que para um ano ser novo, não é necessário um ritual, fazer uma lista de intenções, é preciso fazê-lo novo, vivê-lo novo, o que me diz de um checape? Diagnosticar o que pode torná-lo mais afetuoso e por em prática uma restauração de si próprio é uma boa dica. A cada novo ano, estamos mais velhos, mais seguros de nós mesmos, mais certos do que queremos, porém as horas levam muito de nós.

“Este ano quero paz em meu coração, quem quiser ter um amigo que me dê a mão”. Um ano de prosperidade e paz não se edifica com projetos mirabolantes de sucesso, do tipo vamos fazer... vamos comprar... vamos construir... vamos... É feito de desejos regados, paixões adubadas, perdões ofertados.

Que tal, nesse ano vindouro, engolir a experiência dos mais velhos? Parar de enxergar só os defeitos? Podemos conjugar, no dia-a-dia, verbos como agradecer, consolar, confiar, animar, ajudar, entender, esperar, repensar, SENTIR. Acreditar que 2009 será um ano só de triunfos é inocência, precisaremos também de forças para enfrentar as adversidades, pagar as contas, suportar as perdas, encarar as decepções. Vamos aprender, neste ano novo, que para pintá-lo de novo é preciso entender aquilo que só o tempo sabe ser: maestro dos sonhos, assassino dos instantes de prazer, artesão das lembranças e mestre da vida.
* (Geovane Belo)

24 dezembro 2008


NATAL
“Estou pensando em Deus, estou pensando no amor”

O espírito natalino nos deixa meio sentimentais, é verdade, dá vontade de chorar por tudo. É uma época que reaproxima a gente da gente mesmo, isso nos torna mais humanos. Mas antes, o natal era muito mais belo do que hoje em dia, a palavra que definia natal era amor. Não havia outra. Amor em todos os sentidos. Amor para além da vida, amor capaz de transformar tudo e todos. Era um tempo em que todos os sentimentos floresciam novamente, os namorados eram mais felizes, sorríamos mais naturalmente, perdoávamos muito mais. Saíamos às ruas despreocupadamente para apertar a mão de qualquer pessoa.

Hoje, não há mais tempo para uma palavra de amor, hoje se manda apenas um presente com um cartão eletrônico que diz, no nosso lugar, “Feliz Natal”. Nós vivemos presos demais às obrigações cotidianas, às coisas supérfluas. Os pais têm o trabalho, os filhos, a escola e as baladas. Quando um estranho nos sorrir nos parece fora do comum. Os pobres deixaram de ser humildes para se tornarem uma ameaça aos ricos. Os mais necessitados atrapalham, os ricos temem aperta-lhes a mão, há um olhar de repudio onde deveria existir amor ao próximo. Os amigos não são mais escolhidos pelo diálogo, pela afinidade, mas pela classe social.

A verdade é que não parece haver mais uma palavra que defina o natal. Quem sabe o “consumo” seja a palavra da moda. O gesto de trocar presentes agora é uma obrigação sem amor, dar-se aquilo que se quer ganhar. Não há mais o mistério que tanto iluminava o Natal. O famoso papai Noel não é mais o velhinho que põe os presentes em baixo da cama, ao lado da árvore de natal. Agora, ele está nas lojas, nos outdoors. É só ir ao shopping, você pede e ele aponta a vitrine, assim o natal está completo. Talvez no lugar de perguntar às crianças: “o que você deseja ganhar nesse natal?”, ele diga: “Seu pai tem cartão de crédito? Então leve o que quiser, pirralho”.

É por tudo isso que pra mim o Natal não é mais o mesmo. O maior símbolo do natal parece estar meio esquecido no meio disso tudo. O menino Jesus na manjedoura, em meio às ovelhas e às vacas, parece que não nos comove como antes. Hoje quando vamos às igrejas na noite de natal, preocupamo-nos muito mais em apresentar nossas novas roupas e sapatos e bolsas. Lembro como me encantava ir à igrejinha próxima e ouvir:


“Tudo seria bem melhor, se o natal não fosse um dia, se as mães fossem Maria e se os Pais fossem José e se a gente parecesse com Jesus de Nazaré. Estou pensando em Deus, estou pensando no amor”.

Tínhamos essa certeza, e acho que ainda a temos, guardada em algum lugar dentro de nós. Pensar em Jesus é pensar no amor, pensar em natal tem de ser pensar nesse amor. Talvez esta seja a maior razão das pessoas não praticarem o amor como antes, porque, no natal, Jesus ficou pra segundo plano. As pessoas não se dão mais às mãos durante a ceia para rezar. Não conversam mais.Então, eu decidi que o mais importante hoje seria falar sobre esse menino, o meu menino Jesus.

Acredite, eu posso ouvir a voz do meu menino Jesus, ver sua face, tocar sua pele. Conheço a cor dos seus olhos e o brilho do seu sorriso. Meu menino Jesus é como o do Pessoa é um Deus que é humano, o imenso que é pequeno, o invisível que pode ser visto e tocado e sentido. Tudo porque eu reconheço o meu menino Jesus em todas as pessoas que amo, ou deveria amar, ele está presente em mim, dorme dentro da minha alma. O meu menino Jesus não é um símbolo de natal, ele é vivo e nasce hoje em mim como todos os dias. E é por isso que eu tenho certeza que esse é o menino Jesus verdadeiro.Pra mim, pensar no natal é pensar nele, é pensar em Deus, no amor. E aí, eu canto:

“Estou pensando em Deus, estou pensando no amor”.

08 novembro 2008

Vida...
"Pensar é estar doente dos olhos"

Vocês já pararam pra pensar na razão da vida? Quantas vezes você se pegou pensando nos seus amores que ficaram no passado, ou naqueles platônicos que nem se souberam amados por você? Esses dias eu também me peguei buscando juízo para essa doidice que é a vida. Felizmente, a tempo, achei meio sem lógica tentar encontrar porquês para meus dias, que nada são além de dias, por isso devem ser vividos como tal e não como uma faculdade de autoconhecimento.

Entendi que, na verdade, esse é o nosso maior pecado, teorizamos demais os sentimentos, fazemos terapia, tentamos entender cientificamente determinadas atitudes do nosso ser, como se tudo estivesse nos livros. Adoramos expor nossos problemas para os amigos e torná-los maiores do que são, como se os outros pudessem compreender aquilo que faz parte da nossa alma. Quanta ingenuidade! Cada ser humano só pode conhecer os limites da sua própria alma - e ainda em parte- tentar entender o universo do outro é invadir um mundo que não é seu.

Quando se pensa demais numa justificativa para um abraço, para um aperto de mão, para um beijo, perde-se metade da química que naturalmente leva os corpos a se abraçarem e se beijarem. Acredito agora que nossa solidão diária, por exemplo, resulta muito mais das expectativas criadas pela nossa mente, das hipóteses que nós erguemos em relação a alguém, e por pensarmos demais num ideal de amor, num ideal de amigo, num ideal de pais, de trabalho, de transa, num ideal de sei-lá-o-quê, nada torna-se ideal ao nosso espírito neurótico e secuelado.

Li em Shakespeare, Gandhi, Vitor Hugo, Chaplin, etc. em tantos outros, muitos bons conselhos para se viver plenamente, mas aprendi que não há direcionamento que nos faça mudar o foco da nossa própria vida, porque nós somos os únicos que temos poder sobre as nossas atitudes, sobre nossas aspirações, e ninguém pode interferir com palavras nas nossas experiências tão impossíveis de serem descritas. Essa coisa de aproveitar cada dia como se fosse o último, de CARPE DIEM, soa muito bem, é bonitinho mesmo, mas só funciona mesmo na literatura, na arte. Não há filosofia que explique as manifestações extraordinárias que diariamente dormem e despertam conosco. Quando raciocinamos demais na procura do ser perfeito, nos afastamos da nossa própria imagem no espelho da vida.

Desse modo, fujamos dos aconselhamentos dos outros, não deixemos que metam o nariz na nossa existência, pensar exageradamente pode estragar a seiva que gera os sentimentos mais belos. Aquilo que nos torna seres humanos é capacidade que temos de sentir, seja qual forem nossas sensações.
A filosofia existe como saída para a vida das palavras, para o homem se sentir seguro na tentativa de explicar o inexplicável. O que nós precisamos diariamente não é de filosofia, é de poesia, daquela gerada no compartilhamento dos desejos, na realização dos sonhos, no olhar que avista o céu e contempla o azul sem buscar na ciência motivo para o azul.

Não estou tentando racionalizar a vida, palavras são a prova de que a poesia não precisa de idéias, a poesia pulsa principalmente fora das palavras, longe dos dicionários. A própria vida vive sem palavras, as palavras é que anseiam por vida, é a essência do sentir, de todas as sensações do mundo. Cada um de nós é um universo inexplorável, a mente é o único habitante desse território. Todavia, poderia esse animal de grau elevado na escala evolutiva, chamado homem, dar à mente a capacidade de compreender o enigma de todas as galáxias do seu coração? Poderia a razão compreender o mistério das coisas mais simples? Nós é que complicamos tudo quando cismamos de explicar, julgar, supor, avaliar, cientificar a vida.

O Pessoa estava certo "O mundo não se fez para pensarmos nele, mas para olharmos para ele e estarmos de acordo".

01 novembro 2008

Finados ou finadas flores

A verdade é que, nesse mundo, há dia pra tudo. Dia do beijo, dia da mulher, dia de São Fulano, do trabalho, dia dos namorados, do poeta, da sogra, dia disso, dia daquilo. Mas não há homenagem, data mais respeitável do que a de Finados. Feriado decretadíssimo por lei. No dia dos mortos acendem-se velas, todo mundo reza, ora, canta, recorda, chora, mente. Qualquer um vira puxa saco de quem morreu. Se você quer se tornar um homem bom, mate-se! Será quase um santo! Se for um bom escritor, será eternizado (depois de morto, é claro!).

Diariamente os cemitérios tão abandonadinhos, as covas tão desoladas, sem o choramingar dos parentes, nessa data viram uma espécie de shopping Center da saudade. As pessoas se encontram pelos corredores entre sepulcros, lágrimas e recordações. O comércio reúne-se dentro e fora, vendem-se velas, fósforo, fúcsias e, principalmente, flores (coitadinhas delas), florzinhas de toda cor e de toda classe. Pode ser até coisa de cronista desvairado, todavia morro de pena das bichinhas. Elas, ali, aos montes para agradar a vaidade vociferante da morte. Ponho-me no lugar delas, eu as personifico e sinto a apreensão de suas pétalas amarrotadas, de seus espinhos cortados, de seu cheiro rejeitado.

Para elas não há pior dia no ano. A vida das flores não é lá muito longa. Não bastasse servirem de símbolo para os namorados, não bastasse a tentativa de lhes roubarem o cheiro para pôr em frascos, o mais difícil mesmo é sobreviver a finados. Margaridas, girassóis, rosas, orquídeas, magnólias tornam-se mártires, sacrificam-se para enfeitar o capricho da morte (coisa difícil de entender, perder a vida para adornar o espetáculo do fim). Na verdade, enfeitar a morte é capricho dos vivos, porque morto não tem vaidade, quem fica aqui costuma achar que pode decorar o fim do outro e quem paga o pato, no final das contas, são as coitadinhas das flores. Com sorte, algumas escapam a um funeral aqui, outro ali. Mas ao dois de novembro difícil sobreviver, é uma chacina prevista.

As flores representam o modo de a vida dizer que a reprodução da espécie é linda. Nós precisamos do sexo para perpetuar nossa raça, as flores asseguram a reprodução das plantas, viram fruto, geram sementes e a vida segue seu curso. Elas se oferecem graciosas aos nossos olhos como moças coloridas passeando pelos jardins, é a natureza embelezando nossa humanidade, Deus abrindo os braços para nos acolher.

Finados existe para não deixarmos perdida a memória dos falecidos, para nos obrigar a lembrar de quem bateu as botinhas há algum tempo. O cotidiano pode carregar lembranças dos mortos, entretanto o passar das horas leva a imagem viva deles, surgem novos amores, novos amigos, novas experiências para recordar. Quem morre não parte de uma vez, parte aos poucos. Morre na mudança de carro, morre no novo apartamento, no novo emprego, na nova namorada. No dia de finados, nós temos a obrigação de rememorar, parar um instantinho. A gente fica meio deprimido restituindo o elo que o destino desfez. Depois, cumprida a rotina anual, voltamos para o mundo das coisas vivas.

A morte é feia, fede e apavora. A vida é clara, radiante, intensa. A morte é escura, horripilante. A vida é estonteante, altiva, perspicaz. A morte dos outros nos apavora, morremos um pouco com cada ente que se vai. A possibilidade da nossa morte nos mata de medo. As flores, as velas, lembram a vida, apenas ornamentam o cenário desastroso da morte, criam a sensação de eternidade, de vida além de aqui. Se as flores pudessem, fugiriam para não serem arrancadas precocemente, antes de cumprirem sua missão de propagar a espécie, antes de doar o néctar aos passarinhos, antes de espalhar seu cheiro no ar.

O homem não entende que as flores não combinam com a morte, elas nos lembram amor sem conhecimento do amor, porque flores são flores. Nós é que nos apegamos demais à vida e não queremos admitir nossas partidas. Nossa missão é propagar o amor através dos nossos filhos, a das flores, através de seus frutos. O que nos difere delas é o conhecimento da existência. Nós amamos a vida; elas, simplesmente, existem. E como lembram o amor são o retrato da vida, não da morte.

Eu, com todo respeito, chamaria finados de dia mundial das flores, não daria ramalhetes a quem partiu, porque esta, mesmo que quisesse, já não poderia mais enamorar-se de mim, arrancaria a flor mais linda por uma causa nobre, daria a uma moça presente, vivinha da silva, que parece gostar de mim.

14 outubro 2008

Dia do Professor
O que você quer ser quando crescer?

Antes, não via o encargo de lecionar como a mais atrativa das atividades. Até mesmo porque, para muitos, o que atrai numa profissão é a condição financeira por ela gerada. Na infância e na adolescência, somos alfinetados pela terrível pergunta: 'O que você quer ser quando crescer?'
Certamente, nessa época, não temos a menor noção da grandeza desta escolha, mas mesmo assim são raros aqueles que, sem titubear, respondem: 'Quero ser professor!' E os poucos que optam pela resposta talvez ouçam dos pais: 'Meu filho, você pode ser coisa melhor!'


Não adianta sermos hipócritas. Nós professores, às vezes, nos pegamos desestimulados, sentimo-nos mal preparados, mal reconhecidos, mal remunerados. Já ouvi alguns amigos de profissão, excelentes mestres, dizendo que se tornaram professores por acidente, por falta de escolha. E o engraçado é que, mesmo com essa alegação, não consigo vê-los como farmacêuticos, psicólogos, engenheiros, talvez fossem um desastre fora da sala de aula.

É um lugar-comum falar das dificuldades de um professor. Por isso, é melhor tratar daquilo que a maioria sabe, mas não vislumbra.

O professor é um ser de outro mundo. Ele é a figura com a qual vamos passar grande parte da nossa vida. Desde que entramos na escola, é a figura do mestre que nos acompanha. A tia da alfabetização não ensinou só o bê-á-bá, começou a nos moldar para o convívio em sociedade, saber ouvir, respeitar, a ler e escrever. O professor é um terceiro pai que muda de fisionomia conforme crescemos, conforme a necessidade de adquirir novos valores e aprendizados nos coloca mais adiante. Algumas pessoas convivem mais com professores do que com os pais; também não é pra menos. Na pré-escola, no curso primário, no ensino fundamental, no médio e no superior, o educador está lá, reinando. É por isso que alguns são tão marcantes, nunca esquecemos os mais engraçados, o mais inteligente, o mais rígido e o mais amigo.

Não podemos esquecê-los porque eles estão embutidos em nós, assimilamos suas condutas, seus argumentos, sua maneira de olhar e falar. Fizemos uma salada de aprendizados e nos tornamos o que somos hoje.

A sociedade desvaloriza o papel do professor, porque ele próprio, em determinadas situações, menospreza sua inigualável função. Quem lida com o ensino não é apenas um profissional; é um mago, um artista, um poeta, um operário, um espelho da vida, é o alicerce de todas as outras profissões, já que todas elas passam pela figura dele. O trabalho de um mestre é construir a vida, esculpir a matéria, coletar verdades e colocá-las na prateleira, abrir caminhos, sarar as feridas, esboçar desenhos, salvar as pessoas.

Professor, além de tudo, é aquele que sabe olhar as coisas a partir de outro foco, sabe redimensionar as visões de sua retina e transformá-las em matéria viva. O que faz de um mestre uma criatura sobrenatural, um modelo de conduta, de comportamento e de inteligência é a sua maneira de lidar com a existência, de ser agente de mudanças, capaz de lapidar a sociedade e de criar no aluno o desejo de buscar respostas, de ampliar seus horizontes.

Entre todas as profissões, pode não ser a de maior prestígio, mas a mais lucrativa é, indiscutivelmente, a missão de valor mais belo. Se alguém me perguntasse hoje o que, na infância, eu queria ser quando crescesse, eu estufaria o peito e diria: 'Eu queria ser professor!'

Geovane Belo, publicado em O liberal em 14 de outubro de 2008.

10 outubro 2008


Cidade da Mãe de Nazaré

“Belém, Belém” o som da palavra lembra o badalar dos sinos, remete diretamente ao nome do

berço de Jesus. Certamente não nos parecemos com a Belém de Nazaré, somos outra, a histórica Belém do Grão-Pará, cidade das mangueiras, apogeu da economia da borracha. Todavia, não é à toa que este lugar, situado no coração da Amazônia, tenha se tornado a casa da Virgem de Nazaré.


O círio de Nossa Senhora, a maior procissão do mundo, não é só uma peregrinação religiosa pelas ruas da capital, é uma evocação à fé banalizada, ou esquecida por tantos. Numa época em que crer em Deus é uma atitude de poucos, ver uma cidade inteira se vestir de cores e cantos para uma tradição religiosa é reacender as expectativas de um mundo mais humano. Nas peças de cera, nas casinhas de isopor, nas pessoas presas à corda, vemos a humildade de um povo que se nutre de esperança e que necessita de pouco para ser feliz.


Apesar dos problemas vividos por uma metrópole - saúde precária, famílias amontoadas em palafitas, violência nas escolas - todos os olhares do país voltam-se para esta cidade. O percurso da berlinda ganha holofotes, exige-se a segurança de policiais, a organização de voluntários, o cuidado dos médicos, dos bombeiros, enquanto uma multidão reza, clama, chora, sofre e acredita, sim, acredita! O círio resgata o jeito simples de crer num amanhã melhor. Os devotos clamam por bênçãos e as histórias tão diferentes de cada um se confundem, no mesmo anseio, no mesmo canto:


“porque eu tenho esperança e muita fé / porque eu quero ter amor bem mais ainda / porque te amo, Senhora de Nazaré / quero puxar a corda de tua berlinda”


O segundo domingo do mês de outubro dos paraenses é um novo natal, as imagens da Senhora de Nazaré simbolizam aquela que disse sim, mesmo sendo pobre, aceitou a mais nobre das missões. O povo do Pará se identifica com a humildade da mãe, da serva do Senhor:

“Maria de Nazaré, Maria me cativou, fez mais forte a minha fé e por filho me adotou”.

Esse é o tempo de promessas de vida saudável, de melhores condições de moradia, de mostrarmos às montanhas de dificuldades que nossa fé pode movê-las. Milagres não são tolices, uma pessoa simples necessita de esperança, de prodígios e de sonhos. Precisamos urgentemente alimentar nossa alma de devoção, muitas vezes a racionalidade torna-se pretexto para a descrença.


Belém é a cidade que abriga a fé e a tradição. O círio de Nazaré revela a alma do povo paraense, (por vezes, esquecido) o nortista feliz, simples, acolhedor e afetuoso. As procissões movimentam o comércio, o turismo, mas, sobretudo, acionam o nosso coração. Vamos unir as famílias, não para uma festa de bebedeiras, mas para recuperar a união perdida. Vamos às ruas acompanhar as procissões, não para adorar uma imagem, mas para recuperar através da figura da Mãe a ligação com Deus.


Milagres acontecem todos os dias, aqueles que batalham para sobreviver sabem disso, a Virgem, nossa intercessora, nos dá apenas uma Santa forcinha.


Geovane Belo, Castanhal - PA, 11 de outubro de 2008.

17 setembro 2008

Puto da vida

Estou puto da vida, sei que é pífio dizer que estou puto da vida, mas, ora, é exatamente esse meu estado: puto da vida. Se pudesse, escreveria uma carta pra dizer isto, mas talvez me faltasse um recebedor conveniente para destinar esta tão habitual mazela, estar puto da vida. Por essa convicção e por tantas outras que não sei, optei por este discurso, embargado de despeito e repulsa. Primeiro, devo confessar que este tecido de lamentações é a tentativa derradeira deste proseador ignóbil, visto que estou de saco cheio disto. Não tenho mais como aturar tanta lamúria sobre uma lauda emudecida. Depois, porque, pus-me a escrever tudo outra vez pelo infortúnio de uma queda de energia filha-da-puta, que me fez perder grande parte da oratória. (Coisas desse mundo cibernético que contamina e bestifica).

Não é o descontentamento de um homem comum que me assola, não estou mal de saúde, não perdi o emprego, minhas contas não estão no vermelho e tenho, sim, quem me ame. Minha voz desolada vem de mim mesmo. Quem sabe, nada o mundo tenha a ver com meu pesar, ou, do contrário, talvez ele seja o progenitor desta ferida gritante, cá dentro, sem dor, sem sangue e sem reincidência na carne.

Caminho há tempos assim, tão comum e tão assim-mesmo que me estorva tanta vagueza. Meus tantos sins, meus tantos nãos nunca mudam. Meus ais, meus dissabores, meu porra diário nem se agravar conseguem. Do mesmo modo, minha fortuna, minhas façanhas de galanteador barato, nem isto tem tido melhoria. Na verdade, agora estagnei dentro de mim, tudo está tão corriqueiro, até a paz me impacienta. Logo eu, tão indiferente aos olhos alheios e invejosos de outrem, tão ser-tudo, quase surreal aos íntegros, castos, sábios, mesquinhos e meretrizes. Eu, de tantos mins e outros, encontro-me tão alheio do ser pensante e sentinte que era. As tantas coisas proferidas por mim, já as enunciaram antes (com rasa ou maior veemência) então, de que me valem? Sou um eu-cópia de outras cópias, e me acho varrido do eu-mesmo tão inovador de outrora.

Sim, estou quase certo de uma crença, nesta me reclino mais avidamente. Esta solidão parentesca que a mim tem resignado, é esta ausência indefinida, esta hipótese de ilusão mal projetada, esta falta amarga de alguém, ou de alguma coisa, esta procura de um consolo, de um colo, um ombro, um alento fora de mim. Todos têm razão, todos, sem exceção, fui eu que contraí esta doença, esta febre do desapego, este jeito de me esquivar de amores, de não me enroscar mais nos fios de nenhum coração, de não me encarcerar em mais nenhuma teia. Todos me fitam, examinam-me tão sozinho. Decerto, nunca mais amei deveras, meus amores nem têm tempo para serem amados. Ao meu lado, são efêmeros como um raio na noite erma. Apavorante convicção. Este desgosto e amolação no viver será a ingênua miséria de amar? Falta-me a superficialidade de cobiçar alguém com amor, daquele modo infantil que intumesce de tolice qualquer erudito, versado, prudente ou perito.

Há tempos, reconheço-me amado. Iludo, dissimulo, finjo, confabulo saudades. Não ligo. Prometo. Escondo-me, e nunca choro. Apenas divirto-me, divirto-me muito. Mas jamais paro. Sigo e deixo a quem me ama a sensação sofrível do desprezo. Será que isso me teria posto nessa vagueza, é por isso que estou puto da vida? Eu, repleto de coisas sublimes e torpes, por isso estou puto? Tendo reputação, êxito profissional, sexo sem compromisso, falta-me a tolice de amar? Falta-me o sofrimento constante de não ser correspondido? Faltam-me as noites em claro, as esperanças vãs, o sorriso camuflado? Tenho mesmo motivos para estar puto da vida, se o que me falta, aos outros sobra: amar sem correspondência. Visto isso, concluo: necessito de porções ridículas de desprazer, pena, consternação. Que exigência oca, que frivolidade pueril!

Pelo menos em algo não me difiro de ninguém: somos todos iguais na dor e na ausência. Os que amam lastimam a falta do ser amado, os que não amam lamentam a carência de um artefato para amar. Isso, sinto-me só. É meu direito estar só, por mais que achem minha solidão sem pé nem beira. Todo mundo carrega a solidão do universo inteiro, porque a realidade do desejo é um sonho sempre irreal, e qualquer um tem o direito de estar puto da vida por alguma coisa.

09 setembro 2008

Aniversário

Fazer anos nos afasta da gente mesmo, nos conduz sempre a uma nova condição de vida, distancia algumas coisas pelas quais, antes, zelávamos tanto. Somos agora isto: esta face, este trabalho, este relacionamento, estes sonhos. Eu sou isto, e o engraçado é que, mesmo estampado em nossa face o ser atual, o passado não parece em nada mais conosco.

Conforme os anos correm, imaginamos o nosso eu do passado, meio bisonho, ultrapassado. Hoje, os nossos desejos são bem mais claros, os projetos, a aparência, as roupas. A cada aniversário, a vida vai esboçando o pano da nossa personalidade, o nosso lado criança vai virando lembrança. Agora é preciso crescer com o nosso corpo, colocar a cabeça no lugar, erguer os planos, parar de pensar só no nosso próprio umbigo. A nossa felicidade depende do modo como nós enxergamos o mundo, depende do nosso sorriso, das nossas ruínas. Todas as experiências têm valor inestimável, cada fruto colhido no presente deve ser digerido por nós para que o nosso ser se torne um bom menino quando crescer.

Às vezes alguns amigos esquecem o nosso aniversário e isso nos fere, porque esse dia parece ser reafirmação dos nossos laços. Mas muitas vezes a mente não acompanha o nosso coração. Nós mesmos já devemos ter esquecido esse amigo, de ligar pra dar boa noite, de ter ido a sua casa para visitar a família, de dar um abraço antes de se despedir. As pessoas tomam atitudes desagradáveis sem se dar conta disso. Os braços nem sempre cumprem o que a mente ordena, a boca nem sempre atina na impulsão dos nossos desejos, nem sempre sentimentos e ações se unem por uma causa maior.

Quem deixa de conviver com pessoas que, em outra época, o acalentaram, o reergueram, sabe que o tempo e a memória são assassinos dos tesouros do coração. Contudo, uma coisa é certa: nenhum lapso de memória apagará de nós a vida que ficou no passado compartilhada, as loucuras da mocidade e as fossas que enfrentamos. O presente separa muitas pessoas, mas a vida as mantém unidas em alguma parte valiosa lá no fundo.

Celebramos, a cada aniversário, uma parte da nossa vida que fica no passado, mas, sobretudo, celebramos a chegada de um novo tempo, novos gozos e novas mazelas. A felicidade de fazer anos se resume em deixar para trás quem éramos e dar boas vindas ao novo que nos é dado de presente. Devemos tomar cuidado apenas para não nos consideramos experientes demais, felizes demais, maduros ao quadrado, porque, vez ou outra, vamos quebrar a cara.

Nosso ser é constituído de experiências, nossa alma sobrevive de amores. Estamos inconscientemente sendo moldados pela sucessão dos acontecimentos, pelas batidas do coração. Morremos todos os dias em que cada coisa que fica pra trás e o jeito é seguir em frente. O tempo vai afunilando as coisas. Ficam poucos amigos (só os verdadeiros), algumas lembranças boas e outras ruins, algumas esperanças. Como sai de moda o seu jeito de vestir, sai de moda também aquela criancice do passado. O computador um dia não funciona mais, o carro, o celular, o MP3 vira MP15 em breve. Só o que fica em nós é aquilo que nos torna humanos, aquilo que nos enobrece. Ficam, na memória, histórias hilárias e algumas fotos (parecemos extraterrestres), fica uma saudade meio triste dos encontros, das festas, das brincadeiras imaturas do colégio.

Com o passar dos anos, nós crescemos porque nos nutrimos de tudo que um dia foi nosso. Impregnado ao nosso ser do presente fica nossa vida passada. Falamos, pensamos, choramos, sonhamos como aprendemos ao longo da vida. Completar anos nos ajuda a lembrar que somos fruto de cada coisa que experimentamos. E não adianta muito se apegar ao passado, o presente não pode ser deixado pra amanhã, porque senão não teremos do que sentir saudade.

Os dias que passam levam o nosso jeito antigo, o namoro que acabou, parte das pessoas que você considerava mais importantes. O tempo leva a inocência, a falta de confiança, o medo de viver, todavia deixa rastros de nostalgia, elucida o nosso jeito de olhar as coisas. O que há de novo em cada amanhecer define a nossa real identidade. Crescimento não significa ter muitos anos, mas ter muitas vivências, episódios grotescos, acontecimentos marcantes, perdas irreparáveis.

Por isso, precisamos residir no campo de hoje sem a inquietude de ali não mais poder viver amanhã, devemos compartilhar sorrisos como se não houvesse derrotas e pranto. Entregar-se a cada abraço como se não houvesse solidão, provar cada beijo como se não houvesse o abandono. Amar cada momento da vida como se não fôssemos morrer (e não morremos). A nossa eternidade é o que deixamos vivo nas pessoas que amamos.
No nosso aniversário, vamos repartir o bolo das experiências, acender a vela das expectativas, aplaudir o novo humano que está à porta e veio ficar. Depois de provar os salgadinhos de aventuras, de mastigar as empadas de desamores e jogar para o teto os confetes da juventude, no fim da festa, vamos pôr um brinde na estante da memória. Embora um dia ele pareça ridículo, futuramente será o símbolo de uma época boa que não voltará mais e de uma pessoa bem diferente que você foi um dia.

06 setembro 2008

Tu e teu inimigo
O que te corta o peito e faz tua carne fragmentada? Qual solidão macrobiótica te desconforta e te apavora e te alimenta o coração miúdo, danifica tua mente tão moralmente sábia e miserável? Que desordem é esta que em ti se assenta e banha teu semblante de amargura e podridão?

Em que porcaria de homenzinho tu te converteste, símbolo de sonhos esmagados e bocas e línguas e genitálias chupadas sem amor. Poetinha minúsculo de insucesso, sem projeção nenhuma, insuspeito de crimes e virtudes, sem qualquer audácia a favor da vida. Te fizeste criança e entregaste o doce das ilusões em troca da angústia adulta de ser racional, intelectualmente triste, comprimido por expectativas quase todas abortadas, fodido por uma literatura imoral e sem consistência.

És uma nação inteira de lamúrias absurdas, e vives buscando ”uma razão para viver”. Que asneira! Que aberração de consciência catar uma razão qualquer na vida como quem procura piolhos na cabeça de um pirralho. Queres uma conciliação com o mundo das coisas visíveis, mas estás cego de certezas, sem credo e sem um par de seios para lamber. Queres um abraço que te cubra de afeição, mas teus amigos estão paralíticos de ti, não se atrevem a mais nenhuma aproximação, já que quando se propuseram a te acolher, cuspiste catarro neles.
Estás todo encoberto pelas merdas que fizeste contra tua gente, contra teu destino, contra ti mesmo. Falaste demais, quando se exigia silêncio. Ficaste mudo, quando tua voz seria salvação. Fizeste tudo ao avesso, os projetos cronologicamente se nulificaram, os amores paulatinamente se consumiram em traições vulgares e agressividades infantis. Agora sim, és o dono do mundo, o protagonista no palco maior, o centro das atenções todas, és tudo que é abismo, teu coração é precipício de fronteiras; a pele, uma cobertura de cortes incicatrizáveis. És todo um precipício. Comes o pão que o diabo amassou, porque tu mesmo o amassaste, tu mesmo desenhaste em ti a face monstruosa, a capa vermelha e o rabo assustador.

As conquistas fraudulentas, as aventuras bizarras, as porcarias tragadas, bebidas, viraram espelho de tua identidade que se definha. Há cólera infiltrada nos teus olhos como também há ferrugem nos teus sonhos e pus nas tuas feridas.

Lança teu olhar para o céu, talvez chova. Pede perdão, talvez te ouçam, talvez te mates. Do que vale a piedade que não se vê, do que vale o bem depois do mal disseminado? Há uma verdade maior sobre todas as verdades maiores: não adianta fugir do demônio que te persegue se ele é teu melhor amigo.

Não fujas, agarra-te a ti mesmo e ama o hospitaleiro da tua moléstia. Tu e teu inimigo moram na mesma casa, no mesmo corpo. Ama-te a ti mesmo, se permitires namorar a matéria abominável. Se te permitires cheirar o enxofre, engolir o podre, apreciar o feio.

Não é a morte que põe fim a vida do homem, é a sua vida que se mortifica.

03 setembro 2008



Oração



Amem!
Amém!

19 agosto 2008


Temporal
mente


Volto ao futuro e sei que recordo o imemorável,
sou expectador de um pretérito inalcançado.

Vejo o presente, este relógio irrefreável,
sou espectador de um futuro do passado.
SENTIDO


Sem ti me senti
divagar

Sem ti senti devagar
a alma se alarmar.

Sem ti senti dor,
sem sentido

a alma não se acalma.

A dor na gente
adorna a gente.

Sem ti, senti
a alma ao mar.

Amor te urge
a -mor te é ur-
- gente ALMAR.

03 agosto 2008

O bicho-de-sete-cabeças do amor

O mais complicado num relacionamento amoroso é ter de suportar a instabilidade do ser amado. Nós sempre estamos amando alguém ou, no mínimo, buscando alguém para amar. Mas, passando essa fase de busca do tesouro afetivo, surge um novo desafio: ter de compreender o universo estranhíssimo da pessoa que amamos.

Não falo aqui de compreender diferenças físicas, financeiras, ou sociais. Falo da dificuldade de entender o invisível no outro, o indizível. Discorro aqui na tentativa de minimizar esta tão implacável interrogação: como conviver com as inconstâncias da pessoa amada?
Por mais que gostemos de alguém e estejamos com essa pessoa há uma boa temporada, sempre vamos nos surpreender com uma atitude que nos desagrada. Pode ser uma olhadela que ele deu para outra na praia, pode ser o modo como ele falou com você, pode ser a maneira como ela trata os amigos que põe você numa senhora crise de ciúmes.

Vocês namoram há tempos, do nada, então, você descobre que ele odeia essa sua mania de ligar toda hora, ele finge que esqueceu a ex-namorada, ele era gamado na sua prima, ele mentiu quando saiu da sua casa e disse que ia dormir. Você pode descobrir que o seu amor não gosta do seu ciúme excessivo, que a sua namorada diz pras amigas que você é um passatempo, entretanto, ao seu lado, chora jurando que o ama.

Nós sempre almejamos que a pessoa amada seja perfeita, sempre carinhosa, nunca brigue, faça tudo do jeitinho como achamos que é certo. É aí que reside o problema, até que ponto os desejos de vocês combinam, até que ponto suas necessidades convergem? É, de fato, muito complexo fazer de uma pessoa o nosso ideal de amor, exige grandessíssimo sacrifício, porque, ao saciar as vontades do outro, talvez esqueçamos as nossas próprias ambições. Muitas vezes o amor suprime algo de belo que carregamos, pois temos de abrir mão do que nos tornaria mais felizes para manter a estabilidade da vida a dois.

Você deve conhecer alguém que se tornou triste quando passou a namorar alguém, não sai mais, não ri como antes, não telefona, vive trancada em casa. Algumas mulheres admitem serem enganadas e postas ao canto, como se o homem tivesse se tornado proprietário majoritário da sua existência.

Ocorre naturalmente uma metamorfose na vida de quem ama, alguns se tornam mais felizes, mais dispostos para o trabalho, mais bem humorados; outros se enclausuram, vivem deprimidos, se privam de novas experiências, pois acham que não podem viver sem o ser amado. Por isso acreditam que devem sofrer o que for preciso em troca de um bem maior: a conservação do relacionamento amoroso.

A verdade é que o amor exige sim entrega, mudança de atitude, comprometimento com a vida do outro, mas isso não significa que devamos viver apenas em função dessa pessoa. A falta de amor-próprio não tem nada a ver com as modificações que temos de fazer pelo bem da relação. Oferecer parte de si, parte do seu tempo, dividir seus anseios, falar dos seus projetos, evitar sair sempre sozinho, é algo imprescindível para a manutenção do seu amor. Mas, se você acha que encontrou a receita certa do “sermos felizes para sempre”, é melhor sair desse conto de fadas e cair na real.

O amor que é ar também sufoca, é a liberdade que aprisiona, a razão que enlouquece. A pessoa amada é um lobo em pele de cordeiro, por mais que você queira, ela não foi feita para se encaixar certinho nas suas cobiças, precisa de ajustes, um pouco de resignação, vai fazê-lo muito feliz, só que uma hora vai ferir, machucar. Você terá que ter paciência e, mesmo sem entender, aprender a perdoar, ou então terá de apaixonar-se por si mesmo como narciso e suportar a dor de viver sempre sozinho.
*Marudá, 31 de julho de 2008.

01 julho 2008


Desculpa poética

Desculpe! Não consigo compor esse poema!
me rasgaram os lábios
que eram limpos e poéticos
tenho agora os olhos secos e bem fora da boca
tenho a vista e cabeça perdidas no chão.
Desculpe! Não consigo compor esse poema
a ferida na boca é esse não conseguir compor,
é ter o engano na mão no lugar de versos
e considerar-me louco e absurdo
por não ter flores na língua,
por ter apenas o vazio na boca.
nunca pensei não conseguir compor um poema,
e estou como um cadáver
com os olhos atentos vendo minha boca chagada
vendo meu crânio envolto em panos
debatendo-se na ausência desse poema.

- Pausa
(o poeta imóvel, de repente, chorou em seco)

Desculpe,
eu compus um poema!

02 junho 2008

Três prêmios no FEMUC - Festival de Música Castanhalense, incluindo melhor música no voto popular. Conheça a letra abaixo, vídeo da apresentação ao vivo:
www.castanhal.pa.gov.br/lnk_femuc_videos.php

VOCÊ
Você é aquela que fica toda vez que passa,
a sensação do abandono sempre presente.
A paz que tumultua os sonhos e os desejos
A voz que diz verdades iludindo...
Você é o texto que calou minhas palavras,
a poesia no abismo do silêncio.
Você é a canção que acalma o corpo e atormenta a alma.

REFRÃO
Amo você mesmo assim,
tudo o que eu nunca tive e perdi.
Amo você,
minha vontade de ir e ficar,
tudo que me resta
e tudo que me falta.
Amo você,
cada momento que se foi
e eu não vivi,
coisas que são ditas no silêncio do olhar.
Amo você, não há saída,
E caso houvesse escolheria ficar.

Você é aquela que nunca esteve aqui,
E a única que não me sai
Você é apenas o dia de amanha feito lembrança.
Você é a ameaça da solidão, o descuido comigo mesmo,
O pecado que vicia e causa prazer,
o castigo sem motivo aparente,
Você é o caminho até lá
é também a convicção de nunca estar lá.

Sou aquele que ao se perder
sente-se achado.
Eu me perco na sua boca que me olha
Eu me perco nos seus olhos que me beijam.
Seus passos caminham nos espaços da minha dor
Eu vejo o tempo muito a frente
Na minha face, na minha mente
Eu vejo a gente tão diferente:
A vida pressente
o menino cresceu e não mudou o que sente.


“Todos somos iguais na dor e na ausência
amor é apenas um poder ser que não é,
uma vitória perdida...
O amor entrelaça desejos,
estreita caminhos,
rega nossas almas
aduba nossas paixões,
mas o amor que é ar
também sufoca...
dispersa a vida,
confunde a cabeça...
é a liberdade que aprisiona
a razão que enlouquece...
Amar é atitude inesperada do espírito,
Você precisa dizer o amor a quem ama
Não grite, fale baixinho,
Amor é algo que não pode ser arquivado pelo silêncio”

13 maio 2008

A greve dos professores

Balas de borracha, bombas de efeito moral, spray de pimenta, armas contra a nossa classe. Agora não somos mais exemplo pra ninguém. Nós, professores do Estado, nos tornamos desordeiros, vândalos. Senhoras e senhores, pais de família, moços recém-formados, cometemos um crime inafiançável: acreditamos na mudança.

Diz a população: 'São infratores, brigões, não têm o direito de fechar duas ruas da Grande Belém, só porque querem um aumento de salário, uns tíquetes-alimentação, só porque querem da governador Ana Júlia aquilo que ela prometeu durante anos.

É verdade, estamos bufando de raiva do governo que ajudamos a eleger. Na época das eleições, vestimos aquela camisa vermelha horrível e saímos implorando votos, e a mudança aconteceu, tiramos do trono os tucanos que só pensavam em asfalto.

Fomos tapeados. O que a Ana fez conosco foi um chute no traseiro, fomos jogados pela janela como a Isabella, traídos pelo nosso irmão, chifrados pela namorada. Mas, pensando bem, somos educadores de meia-tigela, verdadeiros vagabundos mamando nas tetas do governo. A governadora está correta em mandar tropas de choque para trucidar a nossa quimera. Nossos líderes de giz na mão não 'sacam' que nada muda, nunca vai mudar.

Quando o governo diz que não dá pra aumentar o salário, é porque não dá, pô! Não importa se os colégios estão sucateados, os telhados das salas de aula com goteiras. Não. Que os alunos não tenham carteira, não importa se as salas estão superlotadas, que os alunos da zona rural estão impossibilitados de ir à escola por falta de ônibus. Sempre foi assim, por que agora iria mudar? Tolos somos nós, educadores, por pensarmos em mudança; ora, mudança que nada. Além do mais, nossa classe é ingênua, não sabe o que quer. Somos medrosos, covardes, passivos, hipócritas. Hipócritas por grevar sem motivo, por irmos às ruas, por buscarmos os direitos assistidos pela Constituição, por fazermos valer nossa voz rouca, calejada de tantas aulas.

Nossa hipocrisia remonta a desculpa de que estamos preocupados com nossos alunos. Como é que os coitadinhos vão ficar sem aula? Vamos deixar de ensinar o bê-á-bá, as contas de somar? Como saberão que o Tiradentes foi enforcado por lutar - e que ele, sim, pensava em mudança e se deu mal?

Certos são aqueles professores que estão em casa vendo tudo pela tevê, pelo jornal; como é bela a falta de coragem deles. Pobres de espírito se justificam com argumentos do tipo: se for para pagar aula, depois eu não grevo; se descontar falta; eu não vou também, estou para me aposentar, então, eu não vou entrar nessa, estou no estágio probatório, não posso me arriscar; sou contratado; então não vou; eu apóio a greve; sim; só não quero ir, isso não vai dar em nada, então não dá, não vou, não vou...

Quem sabe se nós pensássemos igualmente, se nos juntássemos nessa luta... A gente conseguisse mais, mas não! Quer saber? Vamos esquecer!... Somos incapazes de um consenso, somos diferentes demais, matemáticos, biólogos, geógrafos... Não dá pra misturar nossas mentes em busca de uma causa comum, não vamos nos unir, não! O certo é colocar o nosso rabinho entre as pernas, aceitarmos a merreca de aumento, o miserável auxílio-alimentação - é melhor do que nada.

Para não ficarmos envergonhados perante os alunos, vamos dizer que já foi uma conquista, e que nunca, na história desse Estado, se fez tanto pela educação. As mudanças, a gente consegue de pouquinho, por sinal, bem de pouquinho.

Ah, desculpa! Juro que não é ironia! Nada de choro, os olhos estão vermelhos e ardendo, mas não são lágrimas nem propaganda do PT. Como diz o ditado: 'Pimenta nos olhos dos outros é refresco'.

Geovane Silva Belo e José Alan Pereira de Souza
E-mail: geovanebelo@hotmail.com]

30 abril 2008

Gay é a mãe!

“Frutinha, bichona, veado, paca, boiola, gayzinho, biba, baitola...”.

A maioria dessas palavras soa como xingamento, um atentado à moral daqueles que se consideram, ou agem como homossexuais. Também não é pra menos, há uma mentalidade opressora em relação a uma prática sexual que, na verdade, trata-se de uma herança secular.

Primeiro, não há diferença entre homossexual e gay, todos sabemos. A palavra homossexual foi criada em 1869 pelo médico húngaro Karoly Maria Benkert, já o termo“gay” vem do Inglês e significa “alegre, jovial”. Contudo, atualmente é este último o estereótipo atribuído aos homossexuais; tal expressão não agrada em nada a classe, talvez porque há no vocábulo um tom de desdém, um julgamento negativo aparente.

O problema é visível. Veja bem, lésbicas, bissexuais, travestis, transformistas etc, são seres que, apesar do notável talento, simpatia, profissão, são vistos com menosprezo pela maioria, tornam-se figuras que ofendem os bons costumes, a moral, os valores da sociedade. Quer dizer, visão imposta por uma ética excludente, pela religiosidade tirana, pelo pensamento machista nunca extinto.

O homossexualismo é permitido em 128 dos 202 países do mundo. O Brasil não é tão liberal quanto a Holanda, que reconhece a união de casais do mesmo sexo. Apesar dos avanços de mentalidade, ainda existe uma generalização a respeito desta prática. A atualidade inventou um conceito de homossexual afeminado. Gay é sinônimo de frescura, de perversidade, de pecado... Acredita-se que o gay é uma ofensa, descaracteriza os aspectos básicos da natureza humana, por isso deve ser abolido, não serve como exemplo nem para os mais liberais. Pessoas costumam dizer que aceitam, mas não aprovam. Quem, por exemplo, sonha ter um filho gay? Aos olhos paternos seria um castigo de Deus. Até mesmo os bissexuais, pais de família, trabalhadores, machões do lar, não gostariam de ver seus filhinhos copulando com outro macho.

Recentemente uma campanha defendeu a idéia de que a orientação sexual não é uma escolha, o que causou muita polêmica. Um recém-nascido num berçário tinha uma pulseira de identificação e no lugar de seu nome, lia-se “homossexual”.

As pessoas em geral e até alguns homossexuais pensam que o gay é uma criatura anormal, um desvio de conduta, uma criação ao avesso, alguns destes demonstram que sua aspiração maior seria mudar de sexo. Culpada por isso é, principalmente, a tevê que tornou a figura do homossexual patética, humorística, devassa, absurda, uma espécie de “zorra total”. Coleciona-se, por influência, não só na tela, mas na vida “os Lobichomens, os Pit-bichas, os Seu-Peru, os vera–verão. A parada “gay”, iniciada em São Paulo, virou um evento comum em todo o Brasil. Em suma, fala-se muito em escolha sexual, mas ainda há preconceito sim e muito.

O que pouco se percebe é que um homossexual não precisa querer ser uma fêmea ambulante, não necessita de salto, rimel e batom, para assumir sua condição. O termo “gay” parece depreciativo porque carrega esse conceito risório de atitude feminina, de pessoa desmunhecada.

Podem-se enumerar os exemplos de homossexuais que eram muito machos. Em Atenas, a sociedade via como normal a relação entre um homem mais velho e um mais novo, este envolvimento tinha como finalidade a transmissão de conhecimento do erastes ao eromenos (amante ao amado). Há indícios históricos de que Aquiles amava Pátroclo e Alexandre se nutria de amores por hefaísto. Porém, estas paixões avassaladoras não mancharam a concepção de força e masculinidade dos guerreiros, ao contrário, imprimia-lhes ardor na proteção ao amado. Várias outras figuras da história também se inserem nesta lista: Julio César por Octaviano e Meco, Catlina; Cícero, Sócrates.

O homossexualismo não é uma herança apenas masculina. Safo, escritora grega que viveu na ilha de Lesbos, criava poesias de conteúdo erótico e foi censurada por monges copistas na idade média, porque era a mestre de uma escola só para moças, suas discípulas eram chamadas de amigas, e a mestre se apaixonava por todas as suas aprendizes. Considera-se advindas deste contexto as palavras “lésbica” e “safada”.

Aplausos merecidos ao filme “O segredo de Brokeback Mountain”, nele os personagens se apaixonam desordenadamente um pelo outro, nele o amor não é uma coisa imunda, devassa. O filme não fala de sacanagem, trata de um amor desenfreado, incompreensível e caótico. Como todo amor há de ser. É uma dose de realidade àqueles que acham impossível um homem se apaixonar desmedida e verdadeiramente por outro. Os personagens são um exemplo comum da vida cotidiana. É um filme para toda a família, sua maior lição é o amor, é um tapa na orelha dos puritanos simplesmente por comprovar que homossexualismo também é coisa de macho, e gay, no sentido depravado da expressão, é a senhora sua mãe.

05 abril 2008

riso

teu riso largo
deságua delírios
de lírios em mim.

teu riso lago
me leva, me vela
e me inunda de ti.

teus dentes açucarados
me lambuzam.
eu fico meio levado
rindo do teu riso
meio velado
meio de lado.

a tua boca me engravida.
minha vida é sorvida

teu riso sem siso
na gravidade
dessa idade
é ida e volta
me adultera e me devota.

teu riso alaga, alarga minha dor
teu riso largo é lago submerso
teu riso me esquarteja,
esmaga e corrói meus olhos.

teu riso me naufragou...

15 março 2008

verbamar
*
amar no infinitivo
não se conjuga
não tem tempo
nem modo

no presente
a primeira pessoa
se confunde com
a segunda
e, às vezes,
uma terceira
pode atrapalhar
o futuro.

amar não é indicativo
é irregular como o ser
admite a ativa ação
dos sujeitos
mas não funciona
com os agentes
na passiva

amar pode ser defectivo
no singular, faltar uma pessoa
pode até descolorir
risos e tônicas conjugações.
amar não tem conjectura
funciona apenas quando
os dois formam uma locução
no plural

o pior é amar no subjuntivo
dúvidas, imprecisão...
amar no imperativo
regras, súplicas...

amar é verbo de emprego complexo
mas, se as formas forem antônimas
e concordarem entre si,
o predicado da vida
pode ter algum nexo.
*
obs.: verbamar é transitivo direto

01 fevereiro 2008


AMAMOS

anos e anos
nos amamos próximos
sem nos entender
e quando erramos
acertamos
e quando nos perdemos
nos achamos
só agora longe
(sem ti-
mentalmente)
estamos perto.

08 janeiro 2008


CRISÁLIDA

Quando Vanessa,
antes feinha e rastejante,
deixou a crisálida,
tão mudada

- agora esplêndida, cintilante -
como nunca a tinha visto
alojei-me em suas asas.

Perdi o chão, embevecido,
e fui vencido,

embebido pela beleza do seu voar.
O meu nome cruzou com o seu,
o meu ser com o seu ser alado.

Vanessa - borboletinha -
quero-a ao meu lado.
GEO, sou terra,


e VANECER, sumir,
Ser você, voar, sermos o céu.

Nós nos amamos.
Geovaneçamos.

Arquivo do blog

Quem sou eu

Sou o que ninguém sabe e o que todo mundo conhece ou cobiça saber. Não me compreendem porque não me entendem. Não me entendem porque não me compreendem. É fácil. Se há certeza, é a duvida de tudo. Se há dúvida, é a certeza apavorante de não saber nada disso, nem daquilo, nem de coisa alguma. Não sou paradoxo, nada de versos sobre minha exatidão, sou imprecisão exata, abstração concreta, sou eu, só eu tão mim-mesmo. Se me queriam outro, por que procuram-me? Procurem outro, ou escavem esse outro em mim, tenho milhares de mins num eu. Ora, sou matéria palpável e dita de um absurdo impalpável e indizível. Só me entende quem não me quer entender. Não sou resposta, já disse, nem tenho respostas, sou a pergunta aberta e fria que nunca cansa de ser dúvida, que não cessa da convicção de não saber quem sou.
"A vida inteira estive em tudo como um deus, eu era todas as coisas de uma só vez, era a prece e a sentença, a entrega e a perdição, as juras e todo o pecado. A vida inteira cabia em mim porque eu era a vida inteira dentro de mim, até perceber que eu faltava a mim... perdi tudo sem nunca ter tido coisa nenhuma".