03 junho 2007

Empinador de pipas

Sou Eolinho, o empinador de pipas,
pela linha firmemente erguida
o céu vem até mim.
A vida suspensa no ar
é parte do meu corpo
parte de mim
bailando sobre o ritmo do vento.
Bem longe, o rabo íngreme
e o peitoral bem aprumado
são os meus pés e o meu peito
recortando o azul do universo,
trajando a seda da liberdade.
Minha pipa, vivinha da silva,
também será cortada e vai chinar.
Mas, sendo ela parte do meu corpo,
na outra rua haverá um outro empinador
que dirá: “Ao vai-te, ao vai-te!”
E no bailar da queda meu corpo-pipa
será objeto de cobiça dos seus olhos
e ao cair nas mãos dele, sem tocar o chão,
com a firmeza de outro carretel,
de outro cerol
novamente ganhará o céu
formando um conjunto de vidas numa única pipa
Seremos vários corpos suspensos no ar
encantando os olhos de quem,
no chão, sonha um dia também ser pipa.

Quem sou eu

Sou o que ninguém sabe e o que todo mundo conhece ou cobiça saber. Não me compreendem porque não me entendem. Não me entendem porque não me compreendem. É fácil. Se há certeza, é a duvida de tudo. Se há dúvida, é a certeza apavorante de não saber nada disso, nem daquilo, nem de coisa alguma. Não sou paradoxo, nada de versos sobre minha exatidão, sou imprecisão exata, abstração concreta, sou eu, só eu tão mim-mesmo. Se me queriam outro, por que procuram-me? Procurem outro, ou escavem esse outro em mim, tenho milhares de mins num eu. Ora, sou matéria palpável e dita de um absurdo impalpável e indizível. Só me entende quem não me quer entender. Não sou resposta, já disse, nem tenho respostas, sou a pergunta aberta e fria que nunca cansa de ser dúvida, que não cessa da convicção de não saber quem sou.
"A vida inteira estive em tudo como um deus, eu era todas as coisas de uma só vez, era a prece e a sentença, a entrega e a perdição, as juras e todo o pecado. A vida inteira cabia em mim porque eu era a vida inteira dentro de mim, até perceber que eu faltava a mim... perdi tudo sem nunca ter tido coisa nenhuma".